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Oremos pelos que nos maltratam

Sermão do Monte, por Gisele Bauche
No célebre Sermão da Montanha, Jesus disse: “Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem” (Mt 5.43-44). Tarefas árduas para tempos difíceis!

Em Os irmãos Karamazov, romance de Dostoievski, um dos personagens questiona:   “Jamais pude compreender como se pode amar seu próximo. É exatamente aos nossos próximos que é impossível amar, a meu ver só os longínquos se ama. Para que se possa amar uma pessoa é preciso que esta se esconda porque, mal essa pessoa mostra a cara, o amor desaparece.” O que dizer dos inimigos então?
As palavras de Jesus são tão contrárias ao espírito humano, cujas ações são quase sempre baseadas no interesse próprio e na exploração de seus semelhantes. O ser humano dominado por uma natureza pecadora, é desejoso de amor mas não consegue ter verdadeiro amor ao próximo. O filósofo Luiz Felipe Pondé argumenta que mesmo quem não acredita que o pecado de Adão e Eva arrastaram a humanidade a uma vontade orgulhosa, violenta e transgressora, há de convir que essa herança maldita tem consistência empírica, suas consequências são visíveis.

Tal inclinação humana para a maldade e o desamor explica a origem da lei do talião, um dos códigos legais mais antigos da civilização humana. O princípio “olho por olho, dente por dente” visava evitar a violência, o abuso na punição e a vingança excessiva. O ser humano é exagerado e desproporcional no tratamento às ofensas que são cometidas contra ele. Vingança, ódio e falta de amor estão deteriorando os relacionamentos humanos desde os primórdios.

Se a lei do talião inaugurou a era da justiça, Jesus Cristo inaugurou um tempo de amor. Jesus ensina que o caminho do Reino do céu é contrário à nossa natureza: é oferecer a outra face, caminhar a milha extra, dar ou emprestar a quem pedir, amar o inimigo e orar pelos que infligem o mal. As palavras de Jesus falam mais dele próprio do que sobre nós. Afinal, Jesus demonstrou em palavras e ações a máxima pedagógica: “Uma pessoa pode ensinar o que sabe, mas pode reproduzir apenas o que ela é”. Ele é aquele que “foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca” e “levou sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu” (Is 53.7,12).

No fundo, Jesus queria dizer que estamos no caminho do Reino não apenas por causa do que ele ensinou, mas especialmente por causa do que ele fez. Deus derramou seu amor em nossos corações (Rm 5.5) e, para que seu amor possa fluir em nosso meio, nos deu o nosso próximo, amigos e família, para que sejamos amados, tenhamos a quem amar e experimentemos o céu já nesta vida. Mas nesta vida também vamos nos deparar com pessoas que podem ser maldosas, até aquelas que beiram à psicopatia, que têm gosto pela maldade. Oremos por elas! Olhando para o que Jesus fez por nós, sabemos que ele escolheu amar a todos, indistintamente!

Publicado no Jornal O Guarani, nº 2496 - 17 a 22/02/2017 (Itararé, SP)

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