Hoje, Quarta-feira de Cinzas, procurando alguma coisa interessante pra relaxar e assistir, me deparei com o Ariano Suassuna na TV Senado. Era umas 22 horas, o programa já havia começado a algum tempo, mas peguei muita coisa boa e pérolas valiosas do escritor. Trata-se de uma aula-espetáculo que fora realizada em Junho de 2013, na sala Villa-Lobos do Teatro Nacional de Brasília (DF).
Depois do programa, acabei explorando na rede muita coisa que o Suassuna falou, partindo de sua fala de que não cria mas copia. Copia o que o provo brasileiro traz. Aí vem as histórias contadas, os muitos cordéis que se perdem no tempo. Procurando a história do enterro do cachorro de um antigo folheto de literatura de cordel - que o próprio Suassuna atribui a fundamentação de “O Auto da Compadecida” -, me deparei com Leandro Gomes de Barros, um grande poeta da literatura de cordel, nascido no sertão da Paraíba, e que viveu de 1865 a 1918.
A história do testamento do cachorro é parte do folheto "O dinheiro", publicado em 1909. Vou postar o folheto na íntegra aqui. Agora vai apenas "O testamento do Cachorro":
Eu vi narrar um fato
Que fiquei admirado
Um sertanejo me disse
Que nesse século passado
Viu enterrar um cachorro
Com honras de um potentado.
Um inglês tinha um cachorro
De uma grande estimação.
Morreu o dito cachorro
E o inglês disse então:
Mim enterra esse cachorro
Inda que gaste um milhão.
Foi ao vigário e lhe disse:
Morreu cachorra de mim
E urubu no Brasil
Não poderá dar-lhe fim...
- Cachorro deixou dinheiro?
Perguntou o vigário assim.
- Mim quer enterrar cachorro!
Disse o vigário: Oh! Inglês!
Você pensa que isto aqui
É o país de vocês?
Disse o inglês: Oh! Cachorro!
Gasta tudo esta vez.
Ele antes de morrer
Um testamento aprontou
Só quatro contos de réis
Para o vigário deixou.
Antes do inglês findar
O vigário suspirou.
- Coitado! Disse o vigário,
De que morreu esse pobre?
Que animal inteligente!
Que sentimento tão nobre!
Antes de partir do mundo
Fez-me presente do cobre.
Leve-o para o cemitério,
Que vou o encomendar
Isto é, traga o dinheiro
Antes dele se enterrar,
Estes sufrágios fiados
É factível não salvar.
E lá chegou o cachorro
O dinheiro foi na frente,
Teve momento o enterro,
Missa de corpo presente,
Ladainha e seu rancho
Melhor do que certa gente.
Mandaram dar parte ao bispo
Que o vigário tinha feito
O enterro do cachorro,
Que não era de direito
O bispo aí falou muito
Mostrou-se mal satisfeito.
Mandou chamar o vigário
Pronto o vigário chegou
As ordens sua excelência...
O bispo lhe perguntou:
Então que cachorro foi,
Que seu vigário enterrou?
Foi um cachorro importante
Animal de inteligência
Ele antes de morrer
Deixou à vossa excelência
Dois contos de réis em ouro...
Se errei, tenha paciência.
Não foi erro, sr. Vigário,
Você é um bom pastor
Desculpe eu incomodá-lo
A culpa é do portador,
Um cachorro como este
Já vê que é merecedor.
O meu informante disse-me
Que o caso tinha se dado
E eu julguei que isso fosse
Um cachorro desgraçado.
Ele lembrou-se de mim
Não o faço desprezado.
O vigário aí abriu
Os dois contículos de réis.
O bispo disse: é melhor
Do que diversos fiéis.
E disse: Provera Deus
Que assim lá morresse uns dez.
E se não fosse o dinheiro
A questão ficava feia,
Desenterrava o cachorro
O vigário ia a cadeia.
Mas como gimbre correu
Ficou qual letras na areia.
Depois do programa, acabei explorando na rede muita coisa que o Suassuna falou, partindo de sua fala de que não cria mas copia. Copia o que o provo brasileiro traz. Aí vem as histórias contadas, os muitos cordéis que se perdem no tempo. Procurando a história do enterro do cachorro de um antigo folheto de literatura de cordel - que o próprio Suassuna atribui a fundamentação de “O Auto da Compadecida” -, me deparei com Leandro Gomes de Barros, um grande poeta da literatura de cordel, nascido no sertão da Paraíba, e que viveu de 1865 a 1918.
A história do testamento do cachorro é parte do folheto "O dinheiro", publicado em 1909. Vou postar o folheto na íntegra aqui. Agora vai apenas "O testamento do Cachorro":
© Stuart Marcelo |
Eu vi narrar um fato
Que fiquei admirado
Um sertanejo me disse
Que nesse século passado
Viu enterrar um cachorro
Com honras de um potentado.
Um inglês tinha um cachorro
De uma grande estimação.
Morreu o dito cachorro
E o inglês disse então:
Mim enterra esse cachorro
Inda que gaste um milhão.
Foi ao vigário e lhe disse:
Morreu cachorra de mim
E urubu no Brasil
Não poderá dar-lhe fim...
- Cachorro deixou dinheiro?
Perguntou o vigário assim.
- Mim quer enterrar cachorro!
Disse o vigário: Oh! Inglês!
Você pensa que isto aqui
É o país de vocês?
Disse o inglês: Oh! Cachorro!
Gasta tudo esta vez.
Ele antes de morrer
Um testamento aprontou
Só quatro contos de réis
Para o vigário deixou.
Antes do inglês findar
O vigário suspirou.
- Coitado! Disse o vigário,
De que morreu esse pobre?
Que animal inteligente!
Que sentimento tão nobre!
Antes de partir do mundo
Fez-me presente do cobre.
Leve-o para o cemitério,
Que vou o encomendar
Isto é, traga o dinheiro
Antes dele se enterrar,
Estes sufrágios fiados
É factível não salvar.
E lá chegou o cachorro
O dinheiro foi na frente,
Teve momento o enterro,
Missa de corpo presente,
Ladainha e seu rancho
Melhor do que certa gente.
Mandaram dar parte ao bispo
Que o vigário tinha feito
O enterro do cachorro,
Que não era de direito
O bispo aí falou muito
Mostrou-se mal satisfeito.
Mandou chamar o vigário
Pronto o vigário chegou
As ordens sua excelência...
O bispo lhe perguntou:
Então que cachorro foi,
Que seu vigário enterrou?
Foi um cachorro importante
Animal de inteligência
Ele antes de morrer
Deixou à vossa excelência
Dois contos de réis em ouro...
Se errei, tenha paciência.
Não foi erro, sr. Vigário,
Você é um bom pastor
Desculpe eu incomodá-lo
A culpa é do portador,
Um cachorro como este
Já vê que é merecedor.
O meu informante disse-me
Que o caso tinha se dado
E eu julguei que isso fosse
Um cachorro desgraçado.
Ele lembrou-se de mim
Não o faço desprezado.
O vigário aí abriu
Os dois contículos de réis.
O bispo disse: é melhor
Do que diversos fiéis.
E disse: Provera Deus
Que assim lá morresse uns dez.
E se não fosse o dinheiro
A questão ficava feia,
Desenterrava o cachorro
O vigário ia a cadeia.
Mas como gimbre correu
Ficou qual letras na areia.
Manero demais o testamentodo cachorro
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirTope, me ajudou com um trabalho de escola
ResponderExcluirtbm
Excluireu tbm
Excluirneh
ExcluirWANDA
A mim tbm
ExcluirHmm que legal, é muito engraçado é interessante kkkk
ResponderExcluiriai
ResponderExcluirpucha
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirSi no fuera por los divulgadores del folklore popular, Leonardo Mota y Leandro Gomes de Barros, el romance del entierro del cachorro no hubiera llegado a Suassuna, quien lo incluyó en su Auto da Compadecida. Un classico del teatro brasileiro!
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