Onde moramos tem uma linda e altiva palmeira que está tomada por bichinhos conhecidos como “lagarta das palmeiras”. Devido à extinção de alguns pássaros predadores, a natureza não consegue de manter o controle das lagartas por meio da cadeia alimentar. Para a palmeira continuar exuberante, exterminamos tantas lagartas quanto conseguimos. Tudo em vão!
As lagartas que conseguimos esmagar eram as que já haviam abandonado a palmeira, após terem se alimentado o suficiente das folhas. Agora no solo, ao nosso alcance, elas estavam procurando um local para formar uma crisálida. Constatamos que nossa ingrata tarefa não contribuiu para preservar a palmeira. O que conseguimos foi, na verdade, interromper um ciclo que resultaria em belas borboletas de cor marrom e laranja.
Aquelas lagartas feias e nojentas se transformaram em belas e graúdas borboletas! O melhor, mais belo e milagroso estaria por vir. Na Grécia antiga, borboletas foram vistas como uma metáfora da vida humana, uma ilustração curta e maravilhosa de nossa jornada física e espiritual. Na mitologia, Psiquê é a personagem associada à alma humana, representada pelos gregos como uma donzela com asas de borboleta.
É para alguns gregos que queriam ver Jesus que o Mestre diz: “Eu afirmo a vocês que isto é verdade: se um grão de trigo não for jogado na terra e não morrer, ele continuará a ser apenas um grão. Mas, se morrer, dará muito trigo. Quem ama a sua vida não terá a vida verdadeira; mas quem não se apega à sua vida, neste mundo, ganhará para sempre a vida verdadeira.” (Jo 12.24-25)
A lagarta abandona sua condição de larva para ganhar sua verdadeira vida e o grão do trigo enterrado morre para frutificar uma linda seara dourada. A mesma vida contida na lagarta e na semente é a que eclode da crisálida e brota da terra. Uma lagarta e uma simples semente têm em si uma vitalidade oculta, por vezes desprezada, que só se torna visível no processo final do ciclo de vida. O apego a coisas desta vida é o desejo de ser lagarta para sempre e abrir mão do bater cadenciado das asas da colorida borboleta e de “recolher cada bago do trigo, forjar no trigo o milagre do pão”, como diz a cantiga de Milton Nascimento.
Os judeus e gregos que queriam ver Jesus encontram um homem fraco à espera da morte. Escondido naquela frágil e mortal natureza humana estava Deus, que estenderia seus braços de amor sobre o cruel lenho da cruz, para que todo o mundo fosse envolvido em seu abraço salvador. Dietrich Bonhoeffer descreve a beleza dessa busca e encontro no poema “Cristãos e pagãos” (Resistência e Submissão, p. 469-470):
1. Pessoas buscam a Deus na sua necessidade.Experimentar o deserto das tentações e trilhar o caminho cruz são apenas etapas de um ciclo da vida plena que ainda vai passar pelo encanto da metamorfose da ressurreição. Esta é a alegria de Quaresma!
Imploram auxílio, pedem felicidade e pão,
libertação de doença, culpa e morte.
Assim fazem todas, todas, cristãs e pagãs.
2. Pessoas buscam a Deus em sua necessidade,
acham-no pobre, insultado, sem abrigo e sem pão.
Veem-no envolto em pecado, fraqueza e morte.
Cristãos ficam com Deus na Sua paixão.
3. Deus busca todas as pessoas na sua necessidade,
satisfaz o corpo e a alma com o Seu pão,
sofre por cristãos e pagãos a morte na cruz
e a ambos concede perdão.
Publicado no Jornal O Guarani, nº 2499 – 17 a 23/03/2017 (Itararé, SP)
Comentários
Postar um comentário