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Falando de morte com crianças

Amanhã, 31 de março, às 15 horas, no Prédio Histórico da UFPR, acontece uma palestra sobre Educação para a Morte com a Profa. Dra. Maria Júlia Kovács, da Universidade de São Paulo. Pena não poder assistir, pois me interesso pela temática.

Aproveito para compartilhar um artigo, também muito interessante, da Profa. Maria Júlia Kovács, intitulado "Falando de morte com crianças", publicano na página do Laboratório de Estudo sobre a Morte do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

Eis o artigo:
 
FALANDO DE MORTE COM CRIANÇAS

As perdas e a morte fazem parte do desenvolvimento humano desde o nascimento até o fim da vida. A criança pequena pode viver experiências de morte, mas ainda não sabe que da morte ninguém volta, e que esta acontece com pessoas queridas (pais, avós, amiguinhos, animais de estimação). Por isto são importantes esclarecimentos e a acolhida dos sentimentos. Os adultos familiares (pais, tios, avós, professores) são modelos para criança, um porto seguro. Estas primeiras experiências deixarão marcas profundas na vida de cada um de nós.

No estágio pré-operacional, segundo Piaget, a criança percebe a morte como um acontecimento temporário, que pode ser revertido, que é possível morrer “só um pouquinho”. Filmes, revistas e desenhos animados reforçam esse conceito.

Crianças apresentam pensamentos mágicos, acreditando que o que pensam ou desejam pode ocorrer. Se ocorrer uma morte, podem ter a idéia de que este fato está relacionado com seu desejo ou pensamento. Se pais ou irmãos morrem, a criança pode se culpar. Ainda não sabem que da morte não tem volta. Fazem perguntas sobre onde está a pessoa morta, se podem encontrá-la e também se vão morrer. Para os pais, que vivem seus processos de luto, ouvir e responder a estas perguntas pode ser uma tarefa difícil. Tentam evitá-la, afirmando que a criança vai sofrer ou não entender. A maneira de lidar com o sofrimento de forma construtiva não é evitá-lo, e sim favorecer a conversa, compartilhando os sentimentos.

A criança percebe quando ocorreu uma morte, e não falar sobre ela pode provocar medo, insegurança. O uso de metáforas para explicar a morte deve ser evitado. Exemplificando: falar da morte como “sono eterno” pode causar incompreensão, porque se confunde com o sono diário, o mesmo ocorre quando se fala da morte como “viagem eterna”, comparada com as viagens de fim de semana, com ida e volta. O que tem como objetivo diminuir a dor, pode causar dificuldades de compreensão.

Crianças mais velhas já compreendem que a morte é irreversível e universal principalmente se já viveram experiências pessoais.

Luto é definido com processo de elaboração de perdas vividas e faz parte da existência humana desde o seu início. A mãe é a principal figura de apego do bebe, e a criança a procura quando está com fome, cansada, com medo ou quando se sente insegura. Há relações mãe-bebê em que há confiança e carinho e a criança explora o ambiente, tendo a mãe como base segura. Há relações em que a mãe tem dificuldades de atender às necessidades do seu bebê, sem contato carinhoso e sem expressar suas emoções. Os bebês choram, ficam irritados nesta condição. Estas experiências se tornam presentes quando ocorrerem as primeiras perdas do desenvolvimento.

Crianças vivem processos de luto como os adultos, necessitam de acolhimento e cuidado. Podem apresentar distúrbios de alimentação, sono e alterações de comportamentos na escola. É erro considerar que crianças não percebem quando ocorrem mortes e que por isso se deve agir como se nada tivesse acontecido. Outra falsa crença é a de que as crianças superam facilmente as perdas, distraindo-se com brincadeiras. Assim, a criança aprende que deve ocultar seus sentimentos. Falar, explicar, esclarecer não retira a dor, mas permite que a criança possa recorrer àquelas pessoas com as quais sente mais segurança. Crianças podem participar de velórios e enterros como membro integrante da família.

O que dizer quando a criança pergunta se vai morrer mais difícil ainda quando está doente e observa que companheiros de quarto ou enfermaria desaparecem e não voltam? É importante esclarecimento e sensibilidade para perceber as necessidades de acolhimento e cuidados, e o que a criança está pedindo neste momento.

O corpo mostra a piora e as mudanças nos tratamentos trazem indícios do que está ocorrendo. A criança preocupada com o que percebe, busca nas pessoas à sua volta a confirmação de suas impressões. Fingir que está tudo bem fazendo com que as palavras comuniquem uma coisa, e o corpo expresse outra, pode instalar um sentimento de incerteza, dúvida e isolamento. O silêncio não permite que se compartilhem sentimentos, dúvidas e questões quando a morte se aproxima. Essa situação é conhecida como: Conspiração do silêncio. Trata-se de “teatro de má qualidade”, no qual o conteúdo expresso em palavras não é consistente com o que o corpo e os olhos manifestam, já que estes são mais dificilmente controlados.

Crianças à morte querem ser asseguradas de que não serão esquecidas, que permaneçam na lembrança de quem amam, principalmente quando não estiverem entre eles. Mais do que a morte, existe o medo da separação e do abandono, nestas situações buscam a presença constante da mãe ou pessoas familiares. Crianças enfermas necessitam de explicações claras sobre o que está sendo feito no hospital, já que a internação é uma situação difícil com afastamento da família e amigos.

Quando pensamos em cuidado devemos considerar a comunicação, escutar as necessidades da criança enlutada de forma atenta, facilitar a expressão de sentimentos sem censura e julgamentos prévios, incluindo os irmãos saudáveis na comunicação, nos cuidados com as crianças doentes. Elas precisam ser ouvidas nos seus medos, possibilidades de identificação, culpa, sentimentos ambivalentes em relação ao irmão enfermo, entre os desejos de recuperação e de morte, já que frequentemente o irmão enfermo rouba a atenção dos pais.

Gostaríamos de destacar a importância da escola no cuidado às crianças que sofreram perdas de pessoas próximas. Cada vez mais a morte é assunto também na escola, já que a morte faz parte do cotidiano das crianças, no seu ambiente natural, sua comunidade envolvendo homicídios, acidentes e suicídio, configurando a morte “escancarada”. Este tipo de morte ocupa espaços, penetra na vida das pessoas a qualquer hora, dificultando a proteção e controle das consequências, as pessoas ficam expostas e sem defesas, além de ser brusca, inesperada e invasiva.

Outra forma de morte escancarada ocorre em programas de auditório, novelas, noticiários, invadindo lares a qualquer hora, inclusive durante as refeições em família. São cenas chocantes, repetidas com textos superficiais e depoimentos emocionados, acompanhados de notícias amenas ou de propaganda. Filmes, desenhos animados trazem imagens fantásticas de violência, de morte como se esta fosse espetáculo.

A psicoterapia para crianças, também conhecida como ludoterapia, utiliza desenhos e atividades lúdicas, já que a fala ainda é difícil para que elas expressem seus sentimentos. Os livros também são importantes para ajudar a elaborar o luto. Em muitas histórias, a criança pode se identificar com os processos vividos pelos personagens. A indicação deve ser feita com cuidado e não substitui o contato com pessoas, mas podem ser excelentes complementos, principalmente quando as histórias são lidas e compartilhadas com outras crianças e adultos como aponta Rubem Alves na introdução de vários dos livros, que escreveu para crianças. Filmes que abordam o tema da morte e do adoecimento podem ser utilizados nas escolas e pelas famílias. Há clássicos como Bambi, Rei Leão e Rochedo Gibraltar.

Estas são algumas das propostas que permitem que a morte, numa sociedade que a nega, possa ser tema de comunicação para crianças vivendo situações de perda e morte.

Maria Julia Kovács
Professora Associada
Coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte
Departamento – PSA – Instituto de Psicologia - USP

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