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Trabalho: castigo ou vocação?



O dia 1º de maio é um dia para exaltar o Trabalho e o Trabalhador. “Do trabalho de tuas mãos comerás, feliz serás, e tudo te irá bem”, diz o Salmo 128. No entanto, nem sempre as coisas foram vistas dessa maneira na história da humanidade. Na Grécia antiga o trabalho era coisa para os humildes e inferiores (humiliores) enquanto o ócio cabia ao os homens livres e honestos (honestiores), a ponto de Xenofonte escrever que “as pessoas que se dedicam aos trabalhos manuais nunca são elevadas” e que “a ciência do senhor reduz-se a saber utilizar o seu escravo”. A ideia era que os cidadãos deviam estar livres para cuidar da mente, da beleza e da “coisa pública” (República), cabendo todo o trabalho aos escravos.

Também entre cristãos já se viu o trabalho como um castigo e maldição de Deus, devido a suas palavras dirigidas a Adão: “No suor do rosto comerás o teu pão” (Gn 3.19). Na Idade Média, a sociedade era basicamente dividida entre os que governavam, os que oravam e os que trabalhavam. Ainda persiste uma visão inferior do trabalho, pois a vida de rei e sacerdote é superior à do trabalhador camponês. No entanto, as leis da igreja ainda garantiam quase cem dias de descanso aos que trabalhavam, entre domingos e feriados religiosos. É dentro dos mosteiros que ressurge uma valorização do trabalho com a adoção do princípio “ora et labora” (ora e trabalha). Não é à toa que muitos mosteiros progrediram tornando-se muito ricos até, enquanto a pobreza tomava conta das cidades.

É a partir do movimento da Reforma, que este ano completa 500 anos, que esta ética do mosteiro é levada para a vida secular, de que o trabalho faz parte da vida cristã e do serviço a Deus. Neste sentido, há um resgate do trabalho em benefício do próximo e fazer isso é cultuar a Deus e cumprir sua vontade. É por isso que Lutero, um dos reformadores, vai dizer que a vida de um sacerdote que vive orando não é superior à de uma mãe que troca as fraldas e limpa uma criança. Neste exemplo, a mãe faz o que Deus espera que ela faça e quando ela assim o faz, está agindo em amor e benefício de seu semelhante. O trabalho, por mais humilde que seja, se executado com esmero, de acordo com a vocação que Deus deu a cada um, torna-se uma oportunidade para servir o próximo.

De castigo divino o trabalho virou vocação divina. João Calvino, outro reformador, escreveu: Se seguirmos fielmente nosso chamamento divino, receberemos o consolo de saber que não há trabalho insignificante ou nojento que não seja verdadeiramente respeitado e importante ante os olhos de Deus”.
A Revolução Industrial que se seguiu acentuou um dos grandes pecados que enlaçam o ser humano: a ganância. Esta situação vai descambar no que se chamou de “exploração do homem pelo homem” pela alienação do trabalho, com abolição dos dias feriados e jornadas de trabalho que chegavam até 18 horas, sem descanso ou férias. Os benefícios do progresso industrial não se deram sem o sacrifício de muitas vidas, aumento da miséria e muita exploração. Neste contexto, surgem os trabalhadores que não conseguem emprego. O historiador Jacques Le Goff nos conta que, em Paris, esses trabalhadores se reuniam na Place de Grève para oferecer seu trabalho para o dia todo. Diante de suas míseras condições, era comum a raiva e consequente revolta desses trabalhadores, gerando protestos e tumultos (“taquehans”, no francês antigo). Daí vem a origem da palavra greve, um direito que hoje é assegurado por lei aos trabalhadores com vistas à defesa de seus direitos e reivindicações.

A ganância sempre leva nossas relações humanas à ruína (1 Tm 6.10). O reformador Lutero apontava que a Palavra de Deus está onde trabalhador e patrão entendem que a razão principal de seu fazer é estar servindo ao seu amado Deus e Senhor Cristo. Quando há amor nas relações de trabalho, aí se vê “uma obra autêntica vinda de um coração puro”. Quando se age somente no interesse próprio, “perante Deus o coração ainda está impuro... neles não se encontra a Palavra de Deus e, sim, seu próprio ídolo: prestígio, dinheiro, poder, etc.”, diz Lutero. Para ele, quando se tem um bom patrão ou patroa, dá até vontade de voltar salário.

Quando a vontade divina do amor ao próximo encontra a justiça nas relações, os trabalhos e afazeres tornam-se uma dádiva, que somada ao estudo e lazer é a síntese do que o sociólogo italiano Domenico de Masi chamou de “ócio criativo”. “Não andeis ansiosos pela vossa vida” (Mt 6.25) é o convite de Jesus Cristo, que também pediu para observarmos mais as aves do céu e os lírios do campo para aprendermos a levar uma vida mais tranquila com confiança no Pai celeste.

Trabalhador e trabalhadora, Deus abençoe seu merecido feriado!

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