Sobre a data de hoje no livro Amor: Sobre a arte de viver (Zahar, 2015), do historiador da cultura Roman Krznaric
"O homem imortalizado como são Valentim ficaria chocado ao descobrir que se tornou o santo padroeiro do amor romântico. Sua história é obscura, mas parece que foi um padre que viveu perto de Roma, no século III, e foi executado por suas crenças cristãs. Realizou-se pela primeira vez uma festa em seu nome em 496, e durante a maior parte do milênio seguinte ele foi venerado pelo poder de curar doentes e aleijados. No fim da Idade Média, sua fama era de ser o santo padroeiro dos epilépticos, especialmente na Alemanha e na Europa Central, onde obras de arte do período mostram-no curando crianças de seus ataques convulsivos. Ele nada teve a ver com o amor até 1382, quando Chaucer criou um poema descrevendo o dia de são Valentim, celebrado todo mês de fevereiro, como uma ocasião em que as aves – e as pessoas – deveriam escolher seus companheiros. Desse momento em diante, sua reputação como curandeiro começou a desaparecer, e o dia que lhe é dedicado todos os anos transformou-se numa ocasião para os amantes enviarem versos de amor uns aos outros e para os jovens das aldeias se divertirem com jogos de amor engraçados. O Dia de São Valentim foi de novo transformado, no século XIX, quando se tornou uma extravagância comercial alimentada pelo surgimento da indústria dos cartões comemorativos e o aparecimento do mercado de massa. Um furor em torno desse dia irrompeu nos Estados Unidos, nos anos 1840: menos de duas décadas depois, as lojas vendiam, a cada ano, perto de 3 milhões de cartões, livrinhos de poemas e outras bugigangas associadas ao amor. Hoje, 141 milhões de cartões são trocados no Dia de São Valentim, no mundo todo, e 11% dos pares de namorados dos Estados Unidos escolhem ficar noivos no dia 14 de fevereiro.
A maneira como são Valentim foi convertido, de arauto do caridoso amor cristão em símbolo da paixão romântica, suscita a questão mais ampla de como as atitudes em relação ao amor mudaram ao longo dos séculos. Que significava amor no mundo antigo, ou durante a idade cavalheiresca de Chaucer? Como o ideal do amor romântico se desenvolveu e moldou o que agora esperamos de um relacionamento? São questões desse tipo que teriam intrigado o nobre francês François de La Rochefoucauld, que proclamou no século XVII: “Poucas pessoas se enamorariam se nunca tivessem ouvido falar disso.” Ele compreendia que nossas ideias sobre o amor, pelo menos em parte, são invenções da cultura e da história.
A maioria de nós experimentou tanto os prazeres quanto as dores do amor. Vale lembrar o desejo ardente e o êxtase compartilhado de uma primeira aventura amorosa, ou de nos ter consolado na segurança de um relacionamento duradouro. No entanto, também sofremos com os sentimentos de ciúme e a solidão da rejeição, ou nos esforçamos para fazer um casamento florescer e perdurar.
Podemos lidar com essas dificuldades do amor – e acentuar suas alegrias – compreendendo a significação de duas grandes tragédias na história das emoções. A primeira é que perdemos o conhecimento das diferentes variedades de amor que existiam no passado, especialmente aquelas familiares aos gregos antigos, que sabiam que o amor podia ser descoberto não só com um parceiro sexual, mas também em amizades, em meio a estranhos e com eles mesmos. A segunda tragédia é que, no curso dos últimos mil anos, essas variedades foram de tal modo incorporadas numa noção mítica de amor romântico que passamos a acreditar que todas se reúnem em uma só pessoa, uma alma gêmea. Podemos escapar dos limites dessa herança procurando amor fora do domínio dos afetos românticos e cultivando suas muitas formas. Assim, como deveríamos iniciar essa jornada pela história do amor? Com uma xícara de café, claro."
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