Eneida é um poema épico escrito por Virgílio, que narra a origem de Roma através das façanhas do herói troiano Eneias. Havendo escapado da destruição de Troia pelos gregos, Eneias tem nas suas mãos a missão de encontrar a “nova Troia”, a futura e gloriosa Roma. A lenda conta que na viagem, os navios são atingidos por uma violenta tempestade provocada por Éolo, o deus do vento (daí a palavra eólico). O poema de Virgílio em português, traduzido por Carlos Alberto Nunes, narra como Eneias tem sua vida preservada:
Como por vezes ocorre em cidades de muitos vizinhos,Netuno, o deus do mar, apiedou-se de Eneias e surge para acalmar a tempestade. Ao comparar a ação apaziguadora de Netuno a “um varão de aparência tranquila e comprovado valor” que acalma uma revolta popular com suas palavras, Virgílio enaltece o reinado de Cesar Augusto que trouxe um tempo de relativa paz, conhecida como Pax Romana.
quando rebenta revolta e dispara o povinho sem brio,
já voam pedras e fachos, as armas a luta improvisa;
mas, se de súbito surge um varão de aparência tranquila
e comprovado valor, todos calam e atentos o escutam;
com seu discurso as vontades compõe, o furor dulcificada:
mesma forma cessou o barulho das vagas.
Virgílio escreveu o poema na época em que a República Romana passava por uma “tempestade” de guerras civis. Mas, após derrotar seu rival Marco Antônio na Batalha naval de Actium, Augusto passou a acumular o poder absoluto, tanto político quanto religioso. Da mesma forma que o deus do mar amaina a tempestade, César Augusto apazígua definitivamente as revoltas e Roma experimenta uma nova era de paz e prosperidade.
Tracemos uma comparação com a situação sociopolítica no Brasil. Não estamos numa guerra civil, apesar do inimigo ser muito real e verdadeiro para pessoas inclinadas ao pensamento binário e ideias polarizadas. Entretanto, temos um país violentamente dividido numa batalha sediciosa enervante. Aquilo que os gregos chamavam de epieikeia, a moderação, está naufragando num mar revolto de críticas furiosas e subjetivas. A tempestade de hostilidade e ódio já extravasa das redes sociais para a mesa do jantar. Quem virá nos socorrer nesta tempestade? Se nossa fé não é mito, o nosso “socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra” (Sl 121).
A crise ética em que nosso país está mergulhado é digna de nossa dedicação e oração pela paz e a bênção de Deus. Diante do aborrecimento de pessoas e autoridades injustas, o apóstolo S. Paulo escreve aos cristãos de Roma: “Façam todo o possível para viver em paz com todos” (Rm 12.18). E aconselha seu discípulo Timóteo: “Recomendo que se façam súplicas, orações, intercessões e ação de graças por todos os homens; pelos reis e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade. Isso é bom e agradável perante Deus, nosso Salvador, que deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Tm 2.1-4).
Publicado no Jornal O Guarani, nº 2495 - 10 a 16/02/2017 (Itararé, SP)
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