Em resposta a alguns questionamentos de seu texto anterior, o Professor Carlos Alberto Faraco escreveu o artigo abaixo, publicado na Rede CBN, em 03/08/2009.
Eis o artigo:
Meu texto anterior (Deixemos a língua em paz!), publicado na Gazeta do Povo de 17/07/2009 e, depois, transcrito aqui, provocou alguns questionamentos de leitores. Um deles me pergunta se não é dever de todos promover a língua portuguesa; outro, se não acho abusivo o uso atual de estrangeirismos; e, por fim, um terceiro me pergunta como devemos proceder com os estrangeirismos se uma lei estapafúrdia não é a solução.
Vou comentar o primeiro ponto neste texto. Voltarei aos outros oportunamente.
Vamos começar nos colocando de acordo quanto à primeira questão. É óbvio que, como sociedade, devemos promover a língua portuguesa, que é a língua da maioria da população brasileira. E aqui não há segredo: a promoção da língua depende basicamente de uma boa educação linguística no nível fundamental e médio.
Uma boa educação deve garantir que todas as crianças sejam efetiva e rapidamente alfabetizadas; que todas as crianças e jovens alcancem bons níveis de letramento (ou seja, de familiarização com a cultura escrita), dominando as práticas sociais de leitura e produção de textos e tendo amplo acesso, por meio de uma boa rede de bibliotecas públicas, a bens culturais como livros, revistas e jornais.
É preciso também oferecer às nossas crianças e aos nossos jovens as condições para que eles conheçam a história e a realidade linguística do Brasil – saber, por exemplo, que a sociedade brasileira é multilíngue, embora o Estado brasileiro tenha uma só língua oficial, e entender todas as implicações dessa complexa realidade.
Nesta mesma direção, é preciso que nossas crianças e jovens compreendam o funcionamento social da língua e desenvolvam atitudes radicalmente contrárias ao preconceito linguístico ainda tão arraigado entre nós e que tem tantas consequências deletérias nas nossas relações sociais.
Estamos cumprindo satisfatoriamente estas tarefas? Claramente não. O processo de alfabetização não tem sido universalmente eficaz (muitas crianças estão chegando a séries mais avançadas da escola fundamental sem o domínio do alfabeto). Por outro lado, a escola não tem conseguido ampliar o nível de letramento dos alunos, como mostram os exames de avaliações do domínio de leitura (Prova Brasil e ENEM) e de escrita (ENEM). Falta ao país uma rede de boas bibliotecas públicas. Pouco ou nada temos feito para esclarecer as crianças e os jovens sobre a realidade linguística do país e para combater o preconceito linguístico.
Com isso, não temos sido capazes de romper os elevados índices de analfabetismo funcional que continuam dilacerando nossa cultura e afetando, por consequência, nosso desenvolvimento econômico e social (cf. os dados do INAF – Índice Nacional de Alfabetismo Funcional e da pesquisa Retrato da Leitura no Brasil).
Temos ainda índices elevados de analfabetismo absoluto. A mais generosa das estatísticas diz que 12% da população adulta brasileira são analfabetos. Recentemente, o IBGE divulgou índices ainda mais alarmantes (cf. Folha de S. Paulo, 14/7/09): 11,5% das crianças brasileiras de 8 e 9 anos são analfabetas. No Nordeste, o índice vai a 23%. No Maranhão, atinge o pico nacional: 38%!! Ainda um dado: quase a metade dos nossos jovens entre 15 e 17 anos está fora da escola.
Se queremos garantir a promoção da língua portuguesa é este quadro dramático que precisamos mudar: todas as crianças e jovens na escola, recebendo uma boa educação linguística e com acesso amplo aos bens da cultura da escrita. O resto, como diz a sabedoria popular, não passa de conversa pra boi dormir.
Carlos Alberto Faraco é Professor Titular (aposentado) de Linguística e Língua portuguesa da Universidade Federal do Paraná. Organizador do livro Estrangeirismos: guerras em torno da língua (Editora Parábola)
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