Hoje quero compartilhar uma mesnagem, publicada em Caros Amigos, que recebi do amigo Wanderley Lange, o qual agradeço. Ela expressa tudo o que podemos desejar de bom em 2009.
Desejo um feliz ano-novo em que, se Deus quiser, todas as crianças, ao ligarem a televisão, recebam um banho de Mozart, Pixinguinha e Noel Rosa; aprendam a diferença entre impressionistas e expressionistas; vejam espetáculos que reconstituem a Balaiada, a Confederação do Equador e a Guerra dos Emboabas; e durmam após fazer suas orações.
Quero um ano-novo em que, no campo, todos tenham seu pedaço de terra, onde vicejem laranjas e alfaces e voejem bem-te-vis entre vacas leiteiras. Na cidade, um teto sob o qual reluzam o fogão de panelas cheias, a sala atapetada por remendos coloridos, a foto colorida do casal exposta em moldura oval sobre a estante.
Espero um ano-novo em que as igrejas abram portas ao silêncio do coração, o órgão sussurre o cantar dos anjos, a Bíblia seja repartida como pão. A fé, de mãos dadas com a justiça, faça com que o céu concentre o olhar naqueles aos quais é negada a felicidade nesta terra.
Um feliz ano-novo com casais ociosos na arte de amar, o lar recendendo a perfume, os filhos contemplando o rosto apaixonado dos pais, a família tão entretida no diálogo que nem se dá conta de que o televisor é um aparelho mudo e cego num canto da sala.
Desejo um ano-novo em que os sonhos libertários sejam tão fortes que os jovens, com o coração a pulsar ideais, não recorram à química das drogas, não temam o futuro nem se expressem em dialetos ininteligíveis. Sejam, todos eles, viciados em utopia.
Espero um ano-novo em que cada um de nós evite alfinetar rancores nas dobras do coração e lave as paredes da memória de iras e mágoas; não aposte corrida com o tempo nem marque a velocidade da vida pelos batimentos cardíacos.
Um ano-novo para saborear a brevidade da existência como se ela fosse perene, em companhia de ourives de encantos, cujos hábeis dedos incrustam na rotina dos dias jóias ternas e eternas.
Quero um ano-novo em que a cada um sejam assegurados o direito do emprego, a honra do salário digno, as condições humanas de trabalho, as potencialidades da profissão e a alegria da vocação. Um novo ano capaz de saciar a nossa fome de pão e de beleza.
Rogo por um ano-novo em que a polícia seja conhecida pelas vidas que protege e não pelos assassinatos que comete; os presos reeducados para a vida social; e que os pobres logrem repor nos olhos da Justiça a tarja da cegueira que lhe imprime isenção.
Um ano-novo sem políticos mentirosos, autoridades arrogantes, funcionários corruptos, bajuladores de toda espécie. Livre de arroubos infantis, seja a política a multiplicação dos pães sem milagres, dever de uns e direito de todos.
Espero um ano-novo em que as cidades voltem a ter praças arborizadas; as praças, bancos acolhedores; os bancos, cidadãos entregues ao sadio ócio de contemplar a natureza, ouvir no silêncio a voz de Deus e festejar com os amigos as minudências da vida – um leque de memórias, um jogo de cartas, o riso aberto por aquele que se destaca como o melhor contador de piadas.
Desejo um ano-novo em que o líder dos direitos humanos não humilhe a mulher em casa; a professora de cidadania não atire papel no chão; as crianças cedam o lugar aos mais velhos; e a distância entre o público e o privado seja encurtada pela ponte da coerência.
Quero um ano-novo de livros saboreados como pipoca, o corpo menos entupido de gorduras, a mente livre do estresse, o espírito matriculado num corpo de baile, ao som dos mistérios mais profundos.
Desejo um ano-novo em que o novo governo coloque o país nos eixos, livre a população do pesado tributo da degradação social, e tome no colo milhões de crianças precocemente condenadas ao trabalho, sem outra fantasia senão o medo da morte.
Espero um ano-novo cujo principal evento seja a inauguração do Salão da Pessoa, onde se apresentem alternativas para que nunca mais um ser humano se sinta ameaçado pela miséria ou privado de pão, paz e prazer.
Um ano-novo em que a competitividade ceda lugar à solidariedade; a acumulação à partilha; a ambição à meditação; a agressão ao respeito; e a idolatria ao dinheiro seja substituída pelo espírito das Bem-Aventuranças.
Aspiro a um ano-novo de pássaros orquestrados pela aurora, rios desnudados pela transparência das águas, pulmões exultantes de ar puro e mesa farta de alimentos despoluídos.
Um ano-novo que seja o último da Era da Fome.
Rogo por um ano-novo que jamais fique velho, assim como os carvalhos que nos dão sombra, a filosofia dos gregos, a luz do Sol, a sabedoria de Jó, o esplendor das montanhas de Minas, a música gregoriana.
Um ano tão novo que traga a impressão de que tudo renasce: o dia, a exuberância do mar, a esperança e nossa capacidade de amar. Exceto o que no passado nos fez menos belos e bons.
Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Domenico de Masi e José Ernesto Bologna, de Diálogos Criativos (DeLeitura), entre outros livros.
Feliz Ano-Novo
por Frei Betto
Desejo um feliz ano-novo em que, se Deus quiser, todas as crianças, ao ligarem a televisão, recebam um banho de Mozart, Pixinguinha e Noel Rosa; aprendam a diferença entre impressionistas e expressionistas; vejam espetáculos que reconstituem a Balaiada, a Confederação do Equador e a Guerra dos Emboabas; e durmam após fazer suas orações.
Quero um ano-novo em que, no campo, todos tenham seu pedaço de terra, onde vicejem laranjas e alfaces e voejem bem-te-vis entre vacas leiteiras. Na cidade, um teto sob o qual reluzam o fogão de panelas cheias, a sala atapetada por remendos coloridos, a foto colorida do casal exposta em moldura oval sobre a estante.
Espero um ano-novo em que as igrejas abram portas ao silêncio do coração, o órgão sussurre o cantar dos anjos, a Bíblia seja repartida como pão. A fé, de mãos dadas com a justiça, faça com que o céu concentre o olhar naqueles aos quais é negada a felicidade nesta terra.
Um feliz ano-novo com casais ociosos na arte de amar, o lar recendendo a perfume, os filhos contemplando o rosto apaixonado dos pais, a família tão entretida no diálogo que nem se dá conta de que o televisor é um aparelho mudo e cego num canto da sala.
Desejo um ano-novo em que os sonhos libertários sejam tão fortes que os jovens, com o coração a pulsar ideais, não recorram à química das drogas, não temam o futuro nem se expressem em dialetos ininteligíveis. Sejam, todos eles, viciados em utopia.
Espero um ano-novo em que cada um de nós evite alfinetar rancores nas dobras do coração e lave as paredes da memória de iras e mágoas; não aposte corrida com o tempo nem marque a velocidade da vida pelos batimentos cardíacos.
Um ano-novo para saborear a brevidade da existência como se ela fosse perene, em companhia de ourives de encantos, cujos hábeis dedos incrustam na rotina dos dias jóias ternas e eternas.
Quero um ano-novo em que a cada um sejam assegurados o direito do emprego, a honra do salário digno, as condições humanas de trabalho, as potencialidades da profissão e a alegria da vocação. Um novo ano capaz de saciar a nossa fome de pão e de beleza.
Rogo por um ano-novo em que a polícia seja conhecida pelas vidas que protege e não pelos assassinatos que comete; os presos reeducados para a vida social; e que os pobres logrem repor nos olhos da Justiça a tarja da cegueira que lhe imprime isenção.
Um ano-novo sem políticos mentirosos, autoridades arrogantes, funcionários corruptos, bajuladores de toda espécie. Livre de arroubos infantis, seja a política a multiplicação dos pães sem milagres, dever de uns e direito de todos.
Espero um ano-novo em que as cidades voltem a ter praças arborizadas; as praças, bancos acolhedores; os bancos, cidadãos entregues ao sadio ócio de contemplar a natureza, ouvir no silêncio a voz de Deus e festejar com os amigos as minudências da vida – um leque de memórias, um jogo de cartas, o riso aberto por aquele que se destaca como o melhor contador de piadas.
Desejo um ano-novo em que o líder dos direitos humanos não humilhe a mulher em casa; a professora de cidadania não atire papel no chão; as crianças cedam o lugar aos mais velhos; e a distância entre o público e o privado seja encurtada pela ponte da coerência.
Quero um ano-novo de livros saboreados como pipoca, o corpo menos entupido de gorduras, a mente livre do estresse, o espírito matriculado num corpo de baile, ao som dos mistérios mais profundos.
Desejo um ano-novo em que o novo governo coloque o país nos eixos, livre a população do pesado tributo da degradação social, e tome no colo milhões de crianças precocemente condenadas ao trabalho, sem outra fantasia senão o medo da morte.
Espero um ano-novo cujo principal evento seja a inauguração do Salão da Pessoa, onde se apresentem alternativas para que nunca mais um ser humano se sinta ameaçado pela miséria ou privado de pão, paz e prazer.
Um ano-novo em que a competitividade ceda lugar à solidariedade; a acumulação à partilha; a ambição à meditação; a agressão ao respeito; e a idolatria ao dinheiro seja substituída pelo espírito das Bem-Aventuranças.
Aspiro a um ano-novo de pássaros orquestrados pela aurora, rios desnudados pela transparência das águas, pulmões exultantes de ar puro e mesa farta de alimentos despoluídos.
Um ano-novo que seja o último da Era da Fome.
Rogo por um ano-novo que jamais fique velho, assim como os carvalhos que nos dão sombra, a filosofia dos gregos, a luz do Sol, a sabedoria de Jó, o esplendor das montanhas de Minas, a música gregoriana.
Um ano tão novo que traga a impressão de que tudo renasce: o dia, a exuberância do mar, a esperança e nossa capacidade de amar. Exceto o que no passado nos fez menos belos e bons.
Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Domenico de Masi e José Ernesto Bologna, de Diálogos Criativos (DeLeitura), entre outros livros.
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